segunda-feira, 2 de maio de 2011

Exposição em Londres fala sobre a relação da sociedade com a sujeira

Por volta de 1860, Joseph Lister, um pioneiro na cirurgia estéril, transformou a enfermaria real de Glasgow em um modelo de limpeza e eficiência

LONDRES - Sujeira. Porcaria. Esterco. Fuligem. Resíduo. Lixo. Refugo. Entulho. Imundície. Detrito. Podridão. Escombro.

Por mais desagradável que possa soar, as coisas nojentas que preferimos não ver, cheirar ou tocar são o objeto da interessante exposição "Dirt: the Filthy Reality of Everyday Life” [Sujeira: a Imunda Realidade do Cotidiano] no Wellcome Collection, em Londres. Em cartaz até 31 de agosto, ela explora como a relação da sociedade com a sujeira e outros resíduos indesejados mudou através dos séculos.
 
Um subtexto da exibição fala do papel do design ao nos ajudar a lidar com isso: desde os mais surpreendentemente sofisticados escoadouros, fossas e esgotos da antiga Babilônia à pilha de lixo do aterro Fresh Kills em Staten Island, Nova York, que ficou mais alto que a Estátua da Liberdade. É um tema oportuno, porque nossas expectativas de como o design deve resolver o problema do que fazer com o lixo, com a sujeira e com os dejetos estão mudando drasticamente.

Desde a Revolução Industrial, os designers têm se esforçado para encontrar maneiras de eliminar sujeira e resíduos - para que o resto de nós possamos esquecê-los - em grande parte sem se preocupar com as consequências. Esta negligência causou tanto estrago que os novos desafios visam arrumar e encontrar formas mais seguras e eficazes de resolver o destino dos nossos dejetos. Uma em cada três pessoas ainda não tem saneamento básico, uma em cada oito está sem água potável, e as frenéticas favelas de cidades como Mumbai, Lagos e Nairobi estão cheias de doenças infecciosas.



Pilha de lixo do aterro Fresh Kills em Staten Island, Nova York


 O conceito de sujeira como coisa ruim e limpeza como algo bom vem sendo adotado pela religião, filosofia, folclore e pelas superstições há séculos. A ideia que "a limpeza está mais perto do divino" está enraizada em um antigo provérbio hebraico, e o contato físico com a sujeira tem sido impingido aos trabalhadores mal remunerados, à maioria das mulheres e muitas vezes aos emigrados, ao longo da história (Tony "trabalho com gerenciamento de lixo" Soprano foi uma rara exceção, e mesmo ele ganhou a maior parte de seu dinheiro em outro lugar). Kate Forde, o curador da exposição, sugere no catálogo que nossa aversão à sujeira possa advir da sua associação com a excreção, com a decomposição dos corpos envelhecidos, com a morte e outros tabus.

Até o século 18, a maioria das pessoas, mesmo os muito ricos, viviam em o que hoje consideramos uma miséria perigosa. Lavar o corpo era considerado insalubre. Roupas raramente eram limpas, e a sujeira só era removida das residências e de locais públicos por razões estéticas.

As atitudes mudaram conforme os avanços da medicina estabeleceram a ligação entre sujeira e infecção, ainda que só depois de muitas falsas iniciativas. No final dos anos 1700, a Revolução Industrial estava produzindo quantidades sem precedentes de sujeira e lixo. "Dirt" mostra quanto os extremos de sujeira e limpeza desempenharam papéis decisivos em diferentes ambientes urbanos em determinados momentos da história, e como os designers lidaram com elas, ajudando as pessoas a eliminar os dejetos e a limpar a si mesmos e seus arredores.

Ela começa na cidade holandesa de Delft, no final do século 17. A maioria dos outros lugares eram sujos na época, mas Delft era famosa por sua limpeza. Donas de casa - ou suas empregadas - dedicavam muitas horas do dia varrendo, lavando e polindo. Os motivos eram em parte religiosos: quanto mais limpa a casa, mais virtuosos os pensamentos; embora eles também tenham sido influenciados pelas descobertas de um cidadão que era decorador e virou microbiologista, Antonie van Leeuwenhoek, quem gravou a primeira observação de bactérias.

A exposição, em seguida, vai para a Londres de 1854, quando um surto de cólera matou 500 pessoas na região do Soho. O surto levou a um inquérito público no saneamento de uma cidade famosa pela poluição do ar e por depósitos de lixo gigantescos, como o Great Dust Heap, em King's Cross, onde catadores ganhavam a vida vendendo lixo.

Por volta de 1860, Joseph Lister, um pioneiro na cirurgia estéril, transformou a enfermaria real de Glasgow em um modelo de limpeza e eficiência.  Exposições sobre higiene foram montadas na cidade alemã de Dresden em 1911, e em 1930 foram extremamente eficazes na sensibilização da população para os benefícios da higiene. Seu sucesso levou à abertura do Museu da Higiene, apenas para que seus métodos fossem cooptados pelos então dirigentes nazistas como propaganda para a "pureza racial".

Um dos pontos fortes de "Dirt" é a sua recusa em se esquivar de aspectos negativos de seu conteúdo: da péssima reação à tragédia da cólera de 1854 em Londres à ocupação nazista do Museu da Higiene. Mas a exposição também comemora pontos positivos inesperados. A sujeira tem, sim, propriedades curativas, como as novas formas de antibióticos encontrados no esgoto. Ela também desempenha um papel simbólico em rituais religiosos. Entre eles está o festival anual hindu de Durja Puja na Índia, para o qual efígies da deusa Durga são feitas de palha, detritos e argila nas margens do rio Ganges, em Kolkata. O festival termina com as imagens sendo lançadas no rio e deixadas para que dissolvam na lama da qual elas vieram.

A sujeira também se tornou um improvável, porém razoavelmente confiável símbolo de virilidade econômica. O volume e a variedade de resíduos produzidos por um país são vistos como "evidência não festejada do progresso industrial e econômico", como diz a Sra. Forde no catálogo. O mesmo se aplica a empresas e indivíduos.

Embora este pressuposto seja hoje verificado pelos elevados custos humanos, ambientais e econômicos da nossa negligência do passado para com o lixo, "Dirt" termina com um exemplo particularmente insalubre em Fresh Kills. O maior aterro sanitário municipal do mundo é quase três vezes maior que o Central Park de Nova York, mas desconhecido por muitos novaiorquinos cujo lixo acabou ali. Porém, os infelizes moradores de Staten Island não tinham qualquer esperança em ignorar seu cheiro fétido. Fresh Kills foi fechado em 2001, e será reprojetado para virar um parque.

É um encerramento bastante apropriado para "Dirt", além de uma lembrança sombria de que o progresso não pode mais ser medido apenas pela quantidade de lixo a se desfazer, mas pela sensibilidade e consideração com que ele é tratado.
Alice Rawsthorn é colunista de arquitetura e design do "The International Herald Tribune" e foi diretora do Museu de Design de Londres. Os temas dos seus artigos variam de arranha-céus a alta-costura.