Duas são as questões que permeiam esta visão; a primeira é a questão dos Museus e sua relação com a tradição; a segunda, a questão da gama de representações do negro na cultura e imaginário brasileiro. Eu diria que pensar o museu é pensar como a sociedade – e, portanto, nós mesmos – narra seus desejos, políticas, éticas e estéticas. Assim, pensar o negro no museu brasileiro, antes de mais nada, é uma tarefa arriscada.
Percebo que tanto a cultura de origem africana no Brasil ou “afrobrasileira”, quanto à instituição-museu enquanto tal sofreram radicais transformações de interpretação e socialização durante a vigência da cultura chamada moderna.
Por longo tempo, os Museus foram experimentados prioritariamente como guardiões da tradição de uma dada cultura ou história. Por conta dessa função avaliada como conservadora, os museus, no início do século XX, foram rejeitados pelos intelectuais e artistas modernistas de vanguarda como espaços não apenas reativos, mas sobretudo reacionários. Em casos extremos do século passado, essa reação chega a produzir manifestos radicais nos quais se propõe convictamente a destruição e mesmo o incêndio de Museus para a libertação da arte e, consequentemente, da cultura. Indiferentes, os Museus atravessam as contendas artísticas e ideológicas do século XX, e prosseguem ampliando seu diálogo com o público de suas comunidades. Nas décadas finais que caracterizam a virada do novo milênio, o museu passa de “ovelha negra para a menina dos olhos” dos artistas, residentes e turistas das cidades metropolitanas. Do ponto de vista político, a lógica descritiva tradicionalmente etnocêntrica dos Museus começa a ser questionada.
Neste momento, o tema da memória contida nos Museus – mas não restrito a eles -, amplia-se inesperadamente, influenciando as artes e as políticas culturais regionais e nacional. As questões sobre a memória e o museu passam também a seduzir teóricos e pesquisadores de várias áreas do saber.
Por outro lado, se os artistas das vanguardas históricas rejeitavam a idéia de museu, o Estado Brasileiro, num quadro bem mais agressivo e por um período de tempo também nada desprezível, perseguiu, invadiu e expropriou práticas e objetivos da cultura material e imaterial africana ou afrodescendente no Brasil. Ironicamente, hoje, a questão da cultura afrobrasileira, assim como os museus, tornou-se uma das grandes preocupações das políticas de preservação do patrimônio cultural brasileiro.
Foi atento a esse momento e em sintonia com os novos quadros epistemológicos emergentes, que esse projeto, rejeitando possíveis modismos, enfrentou a questão artística do negro, nos espaços museológicos. O resultado é um inventário ou mapeamento, que cobre e analisa, de maneira extensiva, a influência da questão afro na diversidade artística do Rio Grande do Sul.
Nesse pretencioso estudo de caso, o olhar do visitante sob os objetos revela um misto de curiosidade e identificação, lidas e relidas em seu contexto original de formação, explicitando, assim, as sutis determinantes e inflexões da história social e das políticas públicas.
O resultado desse processo de reflexão é o panorama do estado do Rio Grande do Sul, na arte, e da trajetória das produções artísticas sobre a cultura afrobrasileira no Estado, bem como a revisão da literatura e das várias perspectivas de abordagem teórica e política sobre a questão negra principalmente no que tange a lei 10.639/03 nos oferecendo uma verdadeira história das rejeições, oposições e valorizações da cultura material afrobrasileira no país.
*Patrícia Brito, acadêmica de museologia na Ufrgs.
*Patrícia Brito, acadêmica de museologia na Ufrgs.